Arcabouço Legal do Poder Legislativo Municipal: Hierarquia, Limites e Prerrogativas
O ordenamento jurídico brasileiro estrutura-se sob o pilar da hierarquia normativa, princípio essencial para garantir a harmonia e a legalidade das normas produzidas pelos diferentes entes federativos. No contexto do Poder Legislativo Municipal, esse princípio assume uma importância central, delimitando o campo de atuação das câmaras de vereadores e exigindo respeito a uma cadeia de normas superiores.

A Hierarquia Normativa no Poder Legislativo
A base do sistema jurídico encontra-se na Constituição Federal de 1988, norma suprema que irradia sua força sobre todas as demais. Em seguida, posicionam-se as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas dos Municípios e, por fim, os Regimentos Internos das Câmaras Municipais. A lógica hierárquica impede, portanto, que uma norma infraconstitucional, como uma lei municipal, contradiga dispositivos constitucionais ou infrinja competências de normas estaduais ou federais.
Nesse sentido, o artigo 1º da Constituição Federal consagra o princípio da legalidade e da supremacia da Carta Magna, vedando qualquer tentativa de inovação legislativa que a contrarie. Isso vale, inclusive, para os próprios regimentos das câmaras, que devem obediência à Lei Orgânica e, por consequência, à Constituição do Estado e à Constituição Federal.
Inter-relação Normativa e Legalidade na Produção Legislativa
A produção legislativa municipal deve observar rigorosamente a inter-relação normativa entre os diversos instrumentos legais. Durante a tramitação de projetos de lei ou de emendas legislativas, impõe-se ao legislador municipal o dever de verificar a compatibilidade da norma proposta com as disposições constitucionais (CF/88, art. 60), com a Lei Orgânica do Município e com o Regimento Interno da Câmara. Qualquer descompasso pode ensejar a inconstitucionalidade ou ilegalidade do ato normativo.
Tal zelo garante a integridade do processo legislativo e a eficácia das normas editadas, assegurando que elas não sejam anuladas judicialmente por vício de forma ou de conteúdo.
Prerrogativas Legislativas e Seus Limites
Outro aspecto que merece atenção é o respeito às prerrogativas institucionais. Normas que extrapolam os limites legais e interferem na esfera de competências de outros poderes — ou mesmo que invadam matérias reservadas exclusivamente ao Regimento Interno — incorrem em flagrante inconstitucionalidade.
É o caso, por exemplo, de Leis Orgânicas que regulamentam dias e horários das sessões legislativas, atribuições de comissões permanentes ou o rito de tramitação de matérias, aspectos que devem constar unicamente no Regimento Interno da Câmara. Tal usurpação normativa compromete a autonomia do Legislativo Municipal, violando a harmonia entre os poderes.
A Inadequação da Ausência de Regimento Interno
Infelizmente, ainda se verifica a existência de câmaras municipais que funcionam sem Regimento Interno vigente, delegando à Lei Orgânica todas as normas regimentais. Essa prática é juridicamente inadequada e fere a lógica da especialização normativa. O Regimento Interno possui função própria e específica: regulamentar o funcionamento interno do parlamento municipal, sendo o instrumento legítimo para estabelecer as rotinas, prerrogativas e competências dos vereadores no exercício de suas funções.
A Lei Orgânica Municipal: Limites e Natureza Jurídica
Embora seja costumeiramente tratada como a “Constituição do Município”, a Lei Orgânica Municipal (LOM) não possui natureza de constituição stricto sensu, visto que o município não detém Poder Constituinte Decorrente. Trata-se de uma lei sui generis, ou seja, única em sua espécie, que deve respeitar rigorosamente a Constituição Federal e a Constituição Estadual, sem ultrapassar os limites impostos por elas.
Portanto, a LOM tem caráter organizativo e normativo, mas não pode inovar em temas que extrapolem a autonomia administrativa e legislativa do município.
Exemplo Prático de Hierarquia e Inter-relação
A fim de elucidar a aplicabilidade prática dessa estrutura normativa, observe-se a seguinte cadeia hierárquica:
- Constituição Federal (CF/88): Estabelece os princípios fundamentais do Estado brasileiro, com aplicação obrigatória a todos os entes da Federação.
- Constituição Estadual: Observa os preceitos da CF/88, detalhando normas específicas ao estado.
- Lei Orgânica Municipal (LOM): Deve ser compatível com a Constituição Estadual e a CF/88, definindo as diretrizes para a gestão pública municipal.
- Regimento Interno da Câmara Municipal (RICM): Norma que regulamenta exclusivamente o funcionamento da Câmara, devendo respeitar a LOM e as normas constitucionais superiores.
Essa interdependência normativa exige dos agentes legislativos um elevado grau de conhecimento técnico e jurídico, sob pena de produzirem normas eivadas de nulidade.
Conclusão
A compreensão da hierarquia das normas e da competência de cada instrumento legal é essencial para a atuação responsável e eficaz dos legisladores municipais. O fortalecimento institucional das Câmaras passa, inevitavelmente, pelo respeito ao ordenamento jurídico, pela valorização do Regimento Interno como instrumento de autonomia e pela observância das normas superiores.
É imperioso, portanto, que os parlamentares, assessores legislativos e servidores das casas legislativas estejam capacitados e conscientes da complexidade do sistema jurídico que rege a atividade parlamentar no âmbito municipal.